O PROVOCADOR
Marco Antonio Araujo
Ser contra a Lei Seca é quase um suicídio intelectual, tamanha a popularidade dessa nova Guerra Santa instalada no País. Assim como a Antifumo, esse tipo de legislação dura, intolerante e castradora se encaixa como uma luva de boxe no inconsciente coletivo. Mas não fujo ao debate que ninguém se atreve a enfrentar. Essas leis são burras. E a Lei Seca é um abuso que só trará equívocos e arbitrariedades.
Já disse, mas repito: sempre foi proibido por lei dirigir embriagado. E deve continuar sendo, mas de forma racional e razoável. O que nunca houve, e continua não havendo, é um Judiciário que efetivamente puna quem fere ou mata ao volante (inclusive, ou principalmente, os sóbrios). Que fique claro: não estou defendendo bêbados. Só acho um porre demagogia e autoritarismo.
Assim como todos os cânceres são atribuídos ao cigarro (enquanto é ignorado o malefício evidente da poluição causada por automóveis e indústrias), as mortes no trânsito, da forma como chegam à opinião publica, parecem ser decorrentes exclusivamente de motoristas embriagados. Claro que não são.
Infelizmente, a questão da violência sobre rodas não se resolve de um trago só. Basta olhar com frieza os números de acidentes e mortes ocorridos durantes as festas de fim de ano. Por mais que autoridades e reportagens histericamente otimistas tentem dourar a pílula, a tragédia continua a mesma.
É comum que discursos inflamados lembrem que 40 mil brasileiros morrem todo ano nas nossas ruas e rodovias. São números de países em guerra. O que ninguém diz é quantas dessas mortes são de fato decorrentes do abuso do álcool ao volante. A imprudência, a arrogância e a burrice são muito mais mortais que uma taça de vinho no almoço de domingo.
As policias montaram verdadeiros arrastões para fiscalizar a aplicação da nova Lei Seca, aprovada e sancionada à toque de caixa. O resultado é impressionante: só a Polícia Rodoviária Federal fez 25 mil testes de bafômetro. Quase 1700 mil multas (caríssimas, extorsivas) foram aplicadas. E por fim, o que muito me interessa, mas não escandaliza ninguém: 723 pessoas foram presas. Setecentas e vinte e três pessoas! Presas. Foram dormir na cadeia, ao lado de ladrões e assassinos. E tem gente que acha isso legal.
Precisa ser muito inconsequente e maligno para achar que está certo entupir nossas delegacias e prisões superlotadas por causa de dois copos de cerveja (suficientes para caracterizar o "crime"). É medieval. Assustador.
Mas digamos que, em tese, apenas para efeito de raciocínio, esse massacre trouxesse evidentes benefícios e o número de vítimas fosse diminuído proporcionalmente ao estrago na vida dessas pessoas encarceradas. Talvez valesse a pena?
O fato, a verdade, é que desde que a lei foi severamente alterada, há anos, o número de mortes continua inalterado. É, insisto, um fato. A Lei Seca não funciona. Não dessa forma virulenta e exclusivamente punitiva.
No caso do balanço do final de 2012, a vergonha e o descalabro são incontestáveis. Muitos mais brasileiros morreram durante a Operação Fim de Ano, exatos 11% além do registrado em 2011. Foram 392 mortes, contra 353 no ano anterior. Entenderam? E a que custo?
Criminalizar o consumo de bebidas é uma invenção americana. Veio dos EUA, um pais que autoriza (e há séculos estimula) seus cidadãos a andarem armados. Os gênios que pensaram essa lei dizem que ao beber (ressalte-se: não é preciso estar efetivamente fora de suas faculdades motoras e mentais, basta ter ingerido alguma bebida) o infeliz assume o risco de matar alguém. Mas pode colocar um revólver na cintura e sair por aí que não será preso. É coisa de gente doente, pensar assim.
Sei como é antipático o que estou tentando dizer. Mas estou convencido de que esse não é o caminho. Prender pais de família, pessoas sem nenhum histórico de violência, jogar numa cela um motorista em condições de dirigir, ser intolerante e irracional, com certeza, não vai poupar vidas. Mas vai destruir muitas, não duvidem.
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