Caros Amigos

VENEZUELA Em dias de apreensão em relação à saúde do presidente venezuelano, aumentam as incertezas sobre o futuro do projeto bolivariano. Para socióloga venezuelana Maryclen Stelling, a revolução pode sobreviver sem Chávez.
Por Tatiana Merlino
Em dias de apreensão em relação à saúde do presidente venezuelano, Hugo Chávez - que permanece hospitalizado em Cuba há mais de três semanas - aumentam as incertezas sobre o futuro do projeto bolivariano que ele começou a implementar no país quando chegou ao poder em 1999.
Uma das maiores críticas e preocupações em relação ao processo do "socialismo do século 21", liderado por Chávez ao longo dos quase 14 anos em que ele está no poder, é que seria uma revolução de um homem só. E caso o presidente se retirasse, o projeto estaria em risco.
Com o recente anúncio de que o câncer que foi diagnosticado em junho de 2011 voltou, Chávez disse pela primeira vez que se houver complicações, o vice-presidente do país, Nicolas Maduro deverá assumir seu lugar na liderança do processo da "revolução bolivariana".
No entanto, as eleições regionais, ocorridas no dia 16 de dezembro, nas quais o chavismo venceu em 20 dos 23 estados do país, mostraram que o chavismo pode sobreviver a Chávez, acredita a socióloga Maryclen Stelling, professora da Universidade Central da Venezuela.
"Elas demonstraram a força política do projeto do socialismo do século 21 e de seu líder. Vinte governos deverão ser uma força única apontando à consolidação do Poder Popular em seu trânsito ao socialismo do século 21", defende. Para ela, a situação atual do presidente "reforça a sua figura, seu peso político e gera no bolivarianismo uma escalada de compromisso com o projeto".
Caros Amigos - Num cenário em que Chávez não possa tomar posse em janeiro, como fica o panorama político na Venezuela?
Maryclen Stelling - De acordo com o previsto na Constituição da República Bolivariana da Venezuela, aprovada em 1999, irá se eleger um novo presidente para o período 2013-2020. O cenário político de polarização seguirá, e na minha avaliação, ele sofreu algumas mudanças. Gradualmente, desde 2006, a polarização foi se deslocando de um homem, Chávez, rumo a um projeto de país, idealizado no Plano da Pátria, II Plano Socialista da Nação, cujo centro de gravidade é a consolidação do Poder Popular e o aprofundamento do socialismo do século 21. Assim, nas eleições presidenciais, a disputa será em torno desse projeto, e certamente, sob a sombra de Chávez, que é líder tanto da oposição como do bolivarianismo. A possível saída de Chávez deve ser entendida em sua magnitude multidimensional, que transcende o eleitoral e o político. Afeta todos os planos da vida nacional. Desde seu significado e peso histórico, chegando à subjetividade, afetividade do povo venezuelano, chavista ou não.
Uma das críticas à revolução bolivariana é que o processo é muito centrado na figura de Chávez. Se ele se afastar da presidência, quais podem ser as consequências para o processo?
Como disse anteriormente, a polarização foi se deslocando do homem ao projeto socialista, que marcará qualquer caminho que se siga na Venezuela a partir de janeiro. É importante destacar que a figura de Chávez é central tanto para o bolivarianismo como para a oposição que existe, se organiza e estrutura unicamente em função de fazer oposição a Chávez e seu projeto. A situação atual de Chávez reforça sua figura, seu peso político e gera no bolivarianismo uma escalada de compromisso com o projeto do socialismo do século 21. As eleições regionais ocorridas em 16 de dezembro demonstraram a força política do projeto do socialismo do século 21 e de seu líder. Vinte governos deverão ser [o chavismo venceu em 20 dos 23 estados nas eleições regionais] uma força única apontando à consolidação do Poder Popular em seu trânsito ao socialismo do século 21. Se Chávez se afastar da presidência, irá adquirir um significado histórico ainda maior para o processo.
Chávez tem uma enorme capacidade para mobilizar o povo em torno da revolução bolivariana. Como ficará o apoio popular à revolução bolivariana caso o presidente se afaste?
Supondo-se que tal hipótese seja certa e que a principal força mobilizadora "em torno da revolução bolivariana" seja Chávez, esse fenômeno continuaria uma vez que a figura do líder adquiriu um peso histórico de grande transcendência, um caráter mítico, de quem deu tudo por esse processo, inclusive sua saúde. Fenômeno que já se observou nas eleições regionais recentes, mesmo se conhecendo seu estado de saúde e impera a incerteza sobre o futuro.
Qual é a sua opinião sobre o perfil de Nicolás Maduro? Ele é capaz de seguir o processo iniciado por Chávez desde seu primeiro mandato? Quais seriam seus principais desafios?
Nicolás Maduro é um homem do povo, tarimbado na luta, profundamente socialista, que cresceu politicamente nesse processo e há vários anos acompanha o presidente Chávez muito de perto. Ele cumpriu acertadamente todas as funções que lhe foram encomendadas e tem boa aceitação. Carece do carisma de Chávez, o que será um tipo de obstáculo com o qual ele terá que lidar em uma cultura messiânica. Ele goza de apoio e da confiança de Chávez, seu mentor, que o designou como seu sucessor político no processo. Até o momento não pretende imitar o líder e isso conta a seu favor. Ele deverá conciliar com as forças internas do chavismo e para isso conta com autoridade própria e com o apoio do líder do processo. Deverá dialogar com a oposição, dado que essa é uma necessidade que surgiu da própria dinâmica do processo venezuelano e, ademais, reconhecida pelo presidente Chávez, uma vez que ele ganhou na contenda de 7 de outubro. A sombra de Chávez o protegerá e paradoxalmente o afetará, uma vez que surgirão comparações, dado o peso político e mágico-religioso de Chávez.
O afastamento de Chávez é, talvez, a melhor oportunidade para que a direita volte ao poder depois de 15 anos. Por outro lado, como ficou claro na campanha eleitoral de Capriles, houve uma adaptação do discurso da oposição, consciente que o discurso tradicional perdeu terreno com o processo bolivariano. Quais poderiam ser os pontos programáticos da direita para convencer o povo de que ela é capaz de governar o país de novo?
Um possível afastamento de Chávez supõe para a oposição, não necessariamente para o bolivarianismo, a possibilidade de volta ao poder depois de 14 anos. Esse grupo político, em sua intenção de retomar o poder apostou todas suas cartas- democráticas e não democráticas- e agora aposta na saúde de Chávez para seu retorno. No entanto, as recentes eleições regionais, demonstraram que a força chavista, além da figura, tem um projeto e um compromisso com a história e com seu líder Chávez, que os representa vivo, doente, presente ou ausente. Nas recentes eleições presidenciais o candidato opositor [Henrique] Capriles sofreu um tipo de mimetização política e assumiu em discurso uma série de promessas de caráter assistencialista para competir com Chávez. Porém, tais promessas assistencialistas dentro de um modelo neoliberal não correspondem com uma transformação expressiva do país, a construção do modelo socialista na Venezuela, e, menos ainda, à consolidação do Poder Popular.
Tatiana Merlino é jornalista.
VENEZUELA Em dias de apreensão em relação à saúde do presidente venezuelano, aumentam as incertezas sobre o futuro do projeto bolivariano. Para socióloga venezuelana Maryclen Stelling, a revolução pode sobreviver sem Chávez.
Por Tatiana Merlino
Em dias de apreensão em relação à saúde do presidente venezuelano, Hugo Chávez - que permanece hospitalizado em Cuba há mais de três semanas - aumentam as incertezas sobre o futuro do projeto bolivariano que ele começou a implementar no país quando chegou ao poder em 1999.
Uma das maiores críticas e preocupações em relação ao processo do "socialismo do século 21", liderado por Chávez ao longo dos quase 14 anos em que ele está no poder, é que seria uma revolução de um homem só. E caso o presidente se retirasse, o projeto estaria em risco.
Com o recente anúncio de que o câncer que foi diagnosticado em junho de 2011 voltou, Chávez disse pela primeira vez que se houver complicações, o vice-presidente do país, Nicolas Maduro deverá assumir seu lugar na liderança do processo da "revolução bolivariana".
No entanto, as eleições regionais, ocorridas no dia 16 de dezembro, nas quais o chavismo venceu em 20 dos 23 estados do país, mostraram que o chavismo pode sobreviver a Chávez, acredita a socióloga Maryclen Stelling, professora da Universidade Central da Venezuela.
"Elas demonstraram a força política do projeto do socialismo do século 21 e de seu líder. Vinte governos deverão ser uma força única apontando à consolidação do Poder Popular em seu trânsito ao socialismo do século 21", defende. Para ela, a situação atual do presidente "reforça a sua figura, seu peso político e gera no bolivarianismo uma escalada de compromisso com o projeto".
Caros Amigos - Num cenário em que Chávez não possa tomar posse em janeiro, como fica o panorama político na Venezuela?
Maryclen Stelling - De acordo com o previsto na Constituição da República Bolivariana da Venezuela, aprovada em 1999, irá se eleger um novo presidente para o período 2013-2020. O cenário político de polarização seguirá, e na minha avaliação, ele sofreu algumas mudanças. Gradualmente, desde 2006, a polarização foi se deslocando de um homem, Chávez, rumo a um projeto de país, idealizado no Plano da Pátria, II Plano Socialista da Nação, cujo centro de gravidade é a consolidação do Poder Popular e o aprofundamento do socialismo do século 21. Assim, nas eleições presidenciais, a disputa será em torno desse projeto, e certamente, sob a sombra de Chávez, que é líder tanto da oposição como do bolivarianismo. A possível saída de Chávez deve ser entendida em sua magnitude multidimensional, que transcende o eleitoral e o político. Afeta todos os planos da vida nacional. Desde seu significado e peso histórico, chegando à subjetividade, afetividade do povo venezuelano, chavista ou não.
Uma das críticas à revolução bolivariana é que o processo é muito centrado na figura de Chávez. Se ele se afastar da presidência, quais podem ser as consequências para o processo?
Como disse anteriormente, a polarização foi se deslocando do homem ao projeto socialista, que marcará qualquer caminho que se siga na Venezuela a partir de janeiro. É importante destacar que a figura de Chávez é central tanto para o bolivarianismo como para a oposição que existe, se organiza e estrutura unicamente em função de fazer oposição a Chávez e seu projeto. A situação atual de Chávez reforça sua figura, seu peso político e gera no bolivarianismo uma escalada de compromisso com o projeto do socialismo do século 21. As eleições regionais ocorridas em 16 de dezembro demonstraram a força política do projeto do socialismo do século 21 e de seu líder. Vinte governos deverão ser [o chavismo venceu em 20 dos 23 estados nas eleições regionais] uma força única apontando à consolidação do Poder Popular em seu trânsito ao socialismo do século 21. Se Chávez se afastar da presidência, irá adquirir um significado histórico ainda maior para o processo.
Chávez tem uma enorme capacidade para mobilizar o povo em torno da revolução bolivariana. Como ficará o apoio popular à revolução bolivariana caso o presidente se afaste?
Supondo-se que tal hipótese seja certa e que a principal força mobilizadora "em torno da revolução bolivariana" seja Chávez, esse fenômeno continuaria uma vez que a figura do líder adquiriu um peso histórico de grande transcendência, um caráter mítico, de quem deu tudo por esse processo, inclusive sua saúde. Fenômeno que já se observou nas eleições regionais recentes, mesmo se conhecendo seu estado de saúde e impera a incerteza sobre o futuro.
Qual é a sua opinião sobre o perfil de Nicolás Maduro? Ele é capaz de seguir o processo iniciado por Chávez desde seu primeiro mandato? Quais seriam seus principais desafios?
Nicolás Maduro é um homem do povo, tarimbado na luta, profundamente socialista, que cresceu politicamente nesse processo e há vários anos acompanha o presidente Chávez muito de perto. Ele cumpriu acertadamente todas as funções que lhe foram encomendadas e tem boa aceitação. Carece do carisma de Chávez, o que será um tipo de obstáculo com o qual ele terá que lidar em uma cultura messiânica. Ele goza de apoio e da confiança de Chávez, seu mentor, que o designou como seu sucessor político no processo. Até o momento não pretende imitar o líder e isso conta a seu favor. Ele deverá conciliar com as forças internas do chavismo e para isso conta com autoridade própria e com o apoio do líder do processo. Deverá dialogar com a oposição, dado que essa é uma necessidade que surgiu da própria dinâmica do processo venezuelano e, ademais, reconhecida pelo presidente Chávez, uma vez que ele ganhou na contenda de 7 de outubro. A sombra de Chávez o protegerá e paradoxalmente o afetará, uma vez que surgirão comparações, dado o peso político e mágico-religioso de Chávez.
O afastamento de Chávez é, talvez, a melhor oportunidade para que a direita volte ao poder depois de 15 anos. Por outro lado, como ficou claro na campanha eleitoral de Capriles, houve uma adaptação do discurso da oposição, consciente que o discurso tradicional perdeu terreno com o processo bolivariano. Quais poderiam ser os pontos programáticos da direita para convencer o povo de que ela é capaz de governar o país de novo?
Um possível afastamento de Chávez supõe para a oposição, não necessariamente para o bolivarianismo, a possibilidade de volta ao poder depois de 14 anos. Esse grupo político, em sua intenção de retomar o poder apostou todas suas cartas- democráticas e não democráticas- e agora aposta na saúde de Chávez para seu retorno. No entanto, as recentes eleições regionais, demonstraram que a força chavista, além da figura, tem um projeto e um compromisso com a história e com seu líder Chávez, que os representa vivo, doente, presente ou ausente. Nas recentes eleições presidenciais o candidato opositor [Henrique] Capriles sofreu um tipo de mimetização política e assumiu em discurso uma série de promessas de caráter assistencialista para competir com Chávez. Porém, tais promessas assistencialistas dentro de um modelo neoliberal não correspondem com uma transformação expressiva do país, a construção do modelo socialista na Venezuela, e, menos ainda, à consolidação do Poder Popular.
Tatiana Merlino é jornalista.
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