CARTA CAPITAL
Protesto contra o racismo, pela morte de Trayvon Martin, em Sandorf,
dia 22. Em um cartaz 'Não me julgue pela minha cor'
©AFP/Getty Images / Mario Tama
SANFORD, EUA (AFP) – Por Paula Bustamante
“Para nós, os afroamericanos, só se pede justiça quando chegam as câmeras”, lamenta Damian Hidggerson em Sanford, a pequena cidade da Flórida onde o homicídio impune de um adolescente negro desarmado fez esta comunidade dos Estados Unidos mergulhar em frustração.
“Casos como este acontecem o tempo todo em nossa comunidade, sobretudo aqui no sul dos Estados Unidos, e as pessoas pedem justiça apenas quando chegam as câmeras”, afirmou, frustrado Hidggerson, um homem de 50 anos que vive em Orlando e foi até Sanford para protestar pela morte de Trayvon Martin.
“Trayvon é apenas mais um jovem negro suspeito de cometer crimes por ser negro”, disse com os olhos vermelhos, entre lágrimas e ira.
A frustração de Hidggerson é o reflexo do sentimento dos afroamericanos que chegaram a esta pequena cidade do centro da Flórida, 400 km ao norte de Miami e das milhares de pessoas que protestaram nos últimos dias em pelo menos 10 cidades dos Estados Unido a pedir justiça.
A decepção é generalizada com a atuação das autoridades diante do homicídio de Martin por um vigia voluntário, vizinho de uma casa que o pai da vítima frequentava em uma comunidade fechada de Sanford.
O fato foi registrado no dia 26 de fevereiro e a polícia local não agiu para deter George Zimmerman, de 28 anos, autor dos disparos, que ao alegar legítima defesa é amparado por uma lei estatal sobre o uso de armas de fogo.
Nesta sexta-feira, uma manifestação para pedir uma investigação reuniu cerca de 20 mil pessoas no centro da cidade. A maioria dos negros no lugar disse estar convencida de que o fator racial foi determinante para a morte a tiros de um jovem desarmado. O fato de que ele caminhava encapuzado porque chovia também influenciou a reação policial.
O protesto desta sexta-feira deixou algo em evidência, que a questão racial divide a sociedade de forma muito profunda. Poucos brancos participaram deste evento coletivo e não houve sequer um líder religioso branco entre os oradores de igrejas e organizações afroamericanas que subiram ao palco para expressar sua ira, pedir investigações, luta e justiça.
“Temos que reconhecer que não temos o mesmo tipo de problemas de relação com a polícia”, disse à AFP John Miller, homem de pele branca de 25 anos.
“Policiais encontraram o vigia voluntário George Zimmerman ao lado do cadáver de Trayvon, e acreditaram na hora que tinha se defendido de um ataque”, se queixou Tracy Means, que mora próximo ao lugar onde aconteceu o incidente.
“A polícia não realizou um teste de droga nem de álcool no autor dos disparos. Por acaso acredita que isso teria acontecido a um branco? Acredita que no seu país fazem isso?”, perguntou indignada Means a dois jornalistas estrangeiros, entre centenas de meios de comunicação que cobriam este caso, que tocou na ferida mais aberta da sociedade americana.
Para Diane Culmin, uma médica aposentada de 62 anos, “é vergonhoso que ainda tenhamos de sair às ruas para pedir justiça quando matam nossos filhos com completa impunidade”, disse à AFP. Como tantos outros, Culmin lacrimejava enquanto olhava a multidão a pedir justiça.
“Até quando vamos continuar convocando passeatas para que estes casos não aconteçam com nossos netos?”
Presidente Obama fala sobre a morte de Trayvon Martin,
em Washington. ©AFP/Getty Images / Win Mcnamee
O presidente Barack Obama expressou sua consternação com este caso nesta sexta-feira. Visivelmente emocionado, disse: “Se eu tivesse um filho se pareceria com Trayvon”.
“Temos que fazer um exame de consciência para compreender como pode acontecer uma coisa dessas, e isso significa examinar a legislação e o contexto em que isso aconteceu”, disse o primeiro presidente negro dos Estados Unidos.
“Obama sabe muito bem o que aconteceu aqui, todos temos levantado as mesmas suspeitas que Trayvon levantou. Se você for negro e adolescente, sabe que vai assustar se andar sozinho, mesmo se for se aproximar para pedir um endereço”, lamentou Jeoffrey Williams.
Este gerente de lojas, negro, de 45 anos, comentava a mensagem do presidente Obama em uma lanchonete fast-food repleta de televisões que mostravam a passeata de ontem nesta cidade litorânea onde seus 53.570 habitantes vivem entre essas paisagens aprazíveis. Aqui sempre se suspeita que nada acontece.
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