Outras Palavras
Portugal, março de 2012: mobilizados contra crise e inspirados nos protestos espanhóis, milhares de jovens saem às ruas e criam movimento “geração à rasca”
Parte dos “Indignados” espanhóis busca novo caminho para superar crise da democracia formal. Qual seu programa? Por que cultivam o anonimato?
Por Manuel Castells | Tradução: Gabriela Leite
Dia 8 de janeiro, anunciou-se na internet a criação do “Partido do Futuro”, um método experimental para construir uma democracia sem intermediários, que substitua as instutuições atuais, deslegitimadas na mente dos cidadãos. A repercussão cidadã e midiática tem sido considerável. Só dia do lançamento, e apesar da queda do servidor por ter recebido 600 visitas por segundo, a iniciativa (http://partidodelfuturo.net) teve 13 mil seguidores no twitter, 7 mil no facebook e 100 mil visitas no YouTube. Jornais estrangeiros e espanhóis, fizeram eco de uma “entrevista coletiva do Futuro” que anuncia o triunfo eleitoral de seu programa: democracia e ponto.
Mas até agora, muitas dessas iniciativas parecem condenadas a um beco sem saída. Por um lado, as pesquisas mostram que uma grande maioria dos cidadãos (cerca de 70%) estão de acordo com as críticas do 15-M e com muitas de suas propostas. Por outro lado, toda essa mobilização não se traduz em medidas concretas que ajudem as pessoas, porque existe um bloqueio institucional à adoção das ditas propostas. Os dois grandes partidos espanhóis são corresponsáveis pela submissão da política aos poderes financeiros no tratamento da crise — compartilhando, por exemplo, a gestão irresponsável dos gerentes do Banco da Espanha, que arruinou milhares de famílias. Por isso o 15-M expressou-se no espaço público, em acampamentos, em manifestações, em assembleias de bairro e em ações pontuais de denúncia. Mas mesmo que essa intervenção seja essencial para criar consciência, esgota-se em si mesma quando se confronta com uma repressão policial cada vez mais violenta.
Por sorte, o 15-M freou qualquer impulso de protesto violento, desempenhando um papel de canalizador pacífico da ira popular. O dilema é como superar as barreiras atuais sem deixar de ser um movimento espontâneo, auto-organizado, com múltiplas iniciativas que não são um programa, e portanto podem congregar potencialmente os 99% que sabem o que não querem (ou seja, o que temos hoje), e que se lembram de buscar em conjunto novas vias políticas de gestão da vida.
Para avançar nesse sentido, surgiu uma iniciativa espontânea de ir ocupando o único espaço em que o movimento não está presente: as instituições. Não de imediato, porque seu projeto não é o de ser uma minoria parlamentar, mas mudar a forma de fazer política. Por meio de democracia direta, instrumentada pela internet: propondo referendos sobre temas-chave; co-elaborando propostas legislativas mediante consultas e debates no espaço público, urbano e cibernético; com medidas concretas, a serem debatidas entre a cidadania e servindo de plataforma para propostas que partam das pessoas.
Na verdade, não é um partido, mesmo que esteja registrado como tal, mas um experimento político, que vai se reinventando conforme avança. No horizonte, vislumbra-se um momento em que o apoio da cidadania a votar contra todos os políticos ao mesmo tempo, e em favor de uma plataforma eleitoral que tenha esse só ponto em seu programa, permita uma ocupação legal do Parlamento e o desmantelamento do sistema tradicional de representação, de dentro dele mesmo. Não é tão absurdo. É, em grande medida, o que aconteceu na Islândia, referente explícito do partido que nos fala a partir do futuro.
Mas como evitar reproduzir os esquemas tradicionais de partido, no processo de conquistar a maioria eleitoral? Aqui é onde se coloca a decisão — criticada pela classe política e alguns jornais — de anonimato, mantido pelas pessoas que tomaram essa iniciativa. Porque se não existem nomes, não há líderes, nem cargos, nem direções, nem porta-vozes que dizem que falam pelos demais, mas acabam representando a si mesmos. Se não há rostos, o que ficam são ideias, práticas, iniciativas.
De fato, é a prática da máscara como forma de criação de um sujeito coletivo composto por milhares de indivíduos mascarados, como fizeram os zapatistas em sua época, ou como faz o Anonymous com sua famosa máscara reconhecível em todo o mundo, mas com múltiplos portadores. Aliás, o aninomato no protesto encontra-se em nossos clássicos: “Fuenteovejuna, todos por um [1]”.
Talvez chegue um momento em que as listas eleitorais requeiram nomes, mas inclusive aí não necessariamente seriam líderes, porque é possível sortear os nomes entre milhares de pessoas que estejam de acordo com uma plataforma de ideias. No fundo, trata-se de pôr em primeiro plano a política das ideias, com qual enchem a boca os políticos — enquanto fazem sua carreira acotovelando-se entre si. A personalização da política é a maior cicatriz da liderança ao longo da história, a base da demagogia, da ditadura do chefe e da política do escândalo, baseada em destruir pessoas representativas. O “X” adotado como símbolo pelo partido do futuro não é para esconder-se, mas para que seu conteúdo seja recheado pelas pessoas que projetem, nesse experimento, seu sonho pessoal num um sonho coletivo: democracia e ponto. A co-definir.
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[1] Peça do escritor espanhol Lope Vega, escrita em 1610, tendo como tema a rebelião do povo, unido contra a tirania e as injustiças. Ver na Wikipedia
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