VIOMUNDO
por Gustavo Ferroni, via e-mail

Não sou um fã incondicional de MMA, gosto de artes marciais e acompanho o UFC principalmente nos torneios mais chamativos. Mas devo dizer que fiquei estarrecido com este PL apresentado pelo José Mentor e me sinto compelido a escrever uma resposta ao texto publicado pela assessoria do deputado Emiliano. Ainda sem entrar no mérito do PL, acho engraçado que um parlamentar como José Mentor apresente tal projeto, só espero que não seja uma tentativa de marcar seu nome com outra coisa que não seja o Banestado.

Provocações de lado, acho a proposta complicadíssima. Comparar esportes de luta regrados, onde se usa equipamento de proteção, e os eventos são acompanhados por médicos e juízes e executados por atletas profissionais ao coliseu romano é algo completamente descabido. Essa comparação não faz sentido nenhum. Pior, usar o argumento de que seria um subterfúgio da política de panem et circenses é algo completamente demagogo.

A história do nosso país e a falta de coragem de parlamentares e governantes após a redemcoratização garantiu que a qualidade da nossa televisão fosse um lixo. Não é um programa ou outro, é a maioria da grade. O bizarro e o grotesco estão presentes em toda a parte, e pior, diversos programas reforçam o racismo, a homofobia, o machismo e todo tipo de intolerância — isso sem falar quando um âncora como o Boris Casoy não desclassifica uma categoria inteira de trabalhadores como os garis. Nossa TV é dominada por “Ratinhos”, “Joãos Kleber”, “BBBs” e “Datenas” da vida. Isso sem falar no desserviço que certos telejornais fazem ao manipular, omitir e mentir.

Acho curioso apontar um esporte, sim um esporte, como o bode espiatório de um problema estrutural da TV no Brasil. Gostaria de ter visto parlamentares lutando para banir o Big Brother depois do estupro ao vivo, ou ainda o Datena depois de sua defesa de que ateus são propensos ao assassinato. Mas não vi. Gostaria muito de vê-los super engajados na luta pelo marco regulatório dos meios de comunicação, mas também não vi.

Tentar banir “esportes de luta não olímpicos” é pura demagogia em minha opinião.

Primeiro porque a periculosidade destes esportes em relação as lutas olímpicas não é maior. Em 2004 um boxeador quase matou seu oponente no Brasil ao golpeá-lo enquanto caia. Depois esse boxeador quase saiu no tapa com o Cajuru em mais um episódio grotesco de nossa televisão. Não é possível afirmar que lutas marciais mistas, ou o Muay Thai, ou Jiu Jutsu, ou Kung Fu são mais perigosas quando praticadas do que Boxe, Karate, Judo e luta greco-romana. O caso citado pelo texo da assessoria do deputado Emiliano, de um lutador de MMA que ficou tetraplégico, foi de um jovem americano com 20 anos que se lesionou após participar de uma luta amadora organizada por uma empresa em um bar (!).

Foi uma tragédia, mas está longe de ser a realidade dos eventos profissionais. Aliás, eventos amadores que não propiciam a segurança necessária aos atletas devem ser proibidos em qualquer esporte (lembram do jogador de Futsal que morreu quando uma madeira se descolou do piso e perfurou seus órgãos?).

O texto da assessoria do deputado Emiliano também acusa as lutas marciais mistas de glorificar a violência. O que também não pode ser assumido como verdade. Uma luta de artes marciais mistas, ou de qualquer arte marcial não olímpica (engraçado que pela proposta entrariam na lista até demonstrações de Thai Chi e Aikido – já que não são olímpicas) não glorifica a violência quando ocorrida num ambiente de fomento ao desporto. Aliás, na grade da televisão o que não faltam são programas que glorificam a violência, seja um filme como Tropa de Elite, ou um programa como o do Datena. Como podemos dizer que dois atletas disputando um torneio com regras e medidas de segurança formenta a violência mais que o Capitão Nascimento e membros do BOPE torturando e assassinando ao bel-prazer?

De fato, no seu início o MMA, e mais especificamente o UFC , se baseava no “Vale Tudo” brasileiro e era desregrado e perigoso. Os lutadores podiam lutar sem luvas, praticamente não havia golpes proibidos, não tinha categoria de peso e os lutadores faziam várias lutas em uma mesma noite. Pois bem, o [John] McCain (sim, aquele mesmo) liderou uma cruzada contra o evento o acusando de não ser algo seguro. Não buscando censurá-lo ou baní-lo, mas pressionando as operadoras de TV a cabo dos EUA para não comprá-lo.

Funcionou, e com a pressão o UFC mudou. Criou muitas regras como: pontuação, categoria de peso, uma série de golpes foram proibidos, tempo para os rounds, exame antidoping, obrigatoriedade de material de proteção (luvas, bocal e genital), cada lutador faz apenas uma lua por noite e mais, o campeonato teve que conseguir a aprovação junto às ligas atléticas de cada estado dos EUA. O UFC é um esporte e tem tantas ou mais regras e medidas de segurança que o boxe.

Para se ter uma idéia, três dos principais torneios de MMA, o UFC, o Cage Warriors e o Ultimate Combat têm uma lista de 31 golpes proibidos que implicam em punições aos lutadores. O conjunto de regras destes torneios contém mais de 40 artigos. Basta ir aos sites oficiais de cada um e checá-los.

Gostaria de usar um caso para ilustrar como as regras são aplicadas. No último UFC no Brasil, o juiz Mário Yamazaki desclassificou o lutador Eric Silva por ter dado golpes na nuca de seu adversário. Na verdade, como a TV mostrou, o árbitro brasileiro estava equivocado, pois Eric não havia dado tais golpes e o juiz acabou prejudicando seu compatriota. Uma lição ficou deste episódio, não se pode acusar os juízes do torneio de não terem rigor quanto à aplicação das regras e à segurança dos atletas.

Na França o MMA ficou banido por muito tempo, mas esta legalizado desde 2008. Aliás a própria proibição era algo estranho, já que lutas de full contact como um todo não eram proibidas (como Kick boxing, Savate, Muay Thay e Boxe). No estado de Nova York realmente o MMA continua banido, mas está longe de ser algo consensual.

Por fim, o que mais espantou foi a afirmação de que no termo “finalizar” um adversário ou uma luta estaria implícito o ato de matar. É uma afirmação completamente estapafúrdia! Talvez o deputado Emiliano devesse procurar a definição de finalizar no dicionário. Ora bolas, finalizar uma luta quer dizer acabá-la. Uma finalização é um golpe que termina a luta sem nocautear o oponente, mas que ele fica imobilizado e termina por desistir (bater ou tap out) ou o juiz paralisa a luta antes que ele se machuque (o que é muito comum). Em inglês se referem a submission, aqui se adotou o “finalizar”.

Acho válido debater as condições nas quais os esportes de luta ocorrem, e como podem ser mais seguros. Mas destacar uma modalidade (ou algumas) e tentar baní-las da TV é algo completamente diferente e perigoso. Afinal, uma vez banido o MMA, qual será o próximo alvo? Onde pararíamos?

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